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sexta-feira, 7 de março de 2014

Manifesto dos 40 anos

Sabe como a gente descobre que uma pessoa está fazendo 40 anos? Pelo sorriso. Não é o sorriso explosivo dos primeiros 15 aniversários. Ou o sorriso comportado que acompanha a data até mais ou menos os 30 anos. Ou o sorriso preocupado das comemorações seguintes. O sorriso de quem faz 40 anos não é bem um sorriso. É um troço congelado no rosto, dois lábios que se alongam sem querer exatamente sorrir.

É mais ou menos nesta época que a gente se dá conta de duas coisas:

Nosso corpo não é mais o mesmo. Ele vai se desfazendo, como um sorvete sob o sol. Aparece uma barriga que a gente não sabe de onde veio, e que não pretende ir a lugar algum.
Nosso rosto não é mais o mesmo. Às vezes diante do espelho eu vejo uma mulher de 40 anos, e tenho que me lembrar de que ela sou eu.

Tem algo mais que acontece quando se faz 40. É a noção de que se não formos atropelados por um carro ou por um câncer estamos chegando na meiuca da vida. Em algum momento próximo a ampulheta vai começar a ter mais areia embaixo do que em cima, e isso muda tudo. Dá vontade de correr na direção contrária da escada rolante. Fazer as coisas que a gente tinha deixado pra depois, porque o depois chegou.
No meu caso eu voltei a escrever. Aprendi a fazer peru de Natal. Comecei a meditar. E pra manter a forma arranjei um professor de ginástica de Kosovo. Aquele homem grita MOOVING no meu ouvido como se estivesse na guerra, e eu corro pra qualquer lado com medo de perder o bonde pro campo de refugiados.
Mas existe uma coisa que vai além de todas essas. É algo que eu sempre quis responder, mas estava ocupada demais sendo jovem, onipotente e supostamente imortal: como é que a gente faz pra ser uma pessoa mais legal do que aquela de 20 e 30 anos?
Se eu pudesse encontrar a mulher que fui no passado seria pra encher a bunda de palmada. No processo de me tornar adulta eu machuquei muita gente. Tenho amigos que não ouvi, colegas que magoei. Ex-namorados que até hoje correm de mim, sabe-se lá se eu carrego alguma faca. O leite já foi derramado, e não adianta chorar. A boa notícia é que sobrou metade no copinho.
E é isso o que passou a importar pra mim aos 40 – como é que eu faço pra não derramar a metade do leite que sobrou no corpinho? Como é que a gente faz pra ser uma pessoa melhor?
Não é só fazer ioga e dar bom dia pro porteiro, porque dar bom dia pro porteiro é fácil. O difícil é não discutir com a mãe. Ter paciência com os filhos. Não brigar com o marido. Deixar de falar mal do chefe, deixar de falar mal de seja lá quem for, mesmo que a pessoa mereça muuuuito. Não deixar os pinguinhos de xixi na tampa do vaso do restaurante. Não xingar o cara que te cortou no trânsito. Difícil (isso é praticamente impossível) é tratar bem a operadora de telemarketing, e a infeliz da vendedora que recebeu o carma de te seguir pela loja.
São estas as minhas prioridades a partir dos 40. Se eu consigo fazer alguma delas fico um pouco mais em paz, e é isso que a gente começa a buscar quando fica mais velho: a gente quer um pouco mais de paz.
Quando essa paz aparece o sorriso de uma pessoa de 40 anos deixa de ser congelado pra se tornar sincero. Não é de todo ruim, pensamos, e os lábios se abrem um pouco mais. A gente só tem que tomar cuidado pra não apertar os olhos enquanto ri, que é pra não despertar as ruguinhas dos lados.

Martha M. Batalha